Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
«- Está, de facto, com um aspecto cansado. Há aí um professor peruano que tira os quebrantos e explica como se captam os pólos de energia cósmica.»
À sugestão de Eduarda, Jorge responde com a incrível metáfora do alpinista.
«(...)
- (...) Escuta:
Ia um alpinista a trepar por uma escarpa, já com muita dificuldade e cansaço. Passara os pontos mais difíceis do percurso, tinha-se mesmo visto de costas para o solo, prestes a desprender-se, numa inclinação traiçoeira. Mas lá progredia, lentamente, palmo a palmo, em árdua luta com as pedras e com a gravidade. Uma vez por outra, resvalava, fragilmente suspenso sobre o abismo, pelas suas cordas e espias. Sofrera vertigens e cãibras. Ele não via o cimo do monte. Apenas tinha de trepar, porque, sendo alpinista, era isso que lhe competia. Na parede rochosa, quase lisa, ia tacteando, saliência a saliência, concavidade a concavidade. Já subira aí uns cinquenta metros, quando, de repente, sentiu um impacto na pedra, com um estalo, por cima do ombro direito. Lá de baixo, alguém estava a alvejá-lo com uma fisga.
(...)
- O que eu tentava explicar-te, através de uma imagem, que te será decerto mais fácil de apreender que os raciocínios, era isto: Passámos séculos sanguinolentos a esforçar-nos, com riscos, com retrocessos, com pequenas vitórias, com grandes derrotas, até nos içarmos, a pulso, alguns palmos acima do irracionalismo. E vens tu e pessoas como tu e quando nós pensamos que a ascensão está garantida, zás!, desatam a atirar pedradas.
- Mas que mal é que eu fiz? Que mal é que eu fiz?
- Atreves-te a falar no Zodíaco em minha casa, quatrocentos anos depois de Pico della Mirandola! Atreves-te a negar milhares de anos de civilização que custaram muito a ganhar, ouviste?»
Mário de Carvalho em Era Bom Que Trocássemos Umas Ideias Sobre O Assunto