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Stoner é maravilhoso, um romance de uma lucidez desconcertante que por nada deste mundo querem deixar de ler. Vou, por isso, dar-vos dois minutos para clicarem neste link e finalizarem a encomenda.
Já está?
Prossigamos, então.
Na minha opinião divide-se claramente em duas partes. A primeira, mais deprimente mas necessária, retrata a vida de Stoner até aos trinta e picos. Cresceu no seio de uma família pobre de agricultores, ajudando os pais a cultivar a quinta de «terra árida» que lhes pertencia. Um dia, o pai sugere-lhe que vá para a Universidade e é assim que Stoner contraria o destino que julgava traçado e que nunca tinha posto em causa.
Tendo de trabalhar para garantir alimentação e alojamento, revela-se um aluno dedicado e é mais tarde convidado a lecionar naquele recinto que mudou profundamente o rumo da sua vida. Remediado, mas com um emprego que lhe garante estabilidade, parte para o expectável passo seguinte: apaixona-se por uma menina delicada, de bom trato e boas maneiras e pede-a em casamento. Ela não recusa, o contrário é que seria de estranhar.
Mas a vida conjugal não é um mar de rosas, a convivência é difícil e até aqui este podia perfeitamente ser o décimo segundo tipo de solidão de Richard Yates. O mesmo país, poucas décadas antes, as mesmas vidinhas insípidas e as mesmas frustrações.
É na segunda parte do livro que depositamos as nossas esperanças em Stoner. Aos nossos olhos fez-se um homem digno, maduro e íntegro, humilde a ponto de reconhecer e lamentar os seus defeitos e fraquezas. Vimo-lo crescer, criámos com ele uma ligação que já não pode ser quebrada e congratulamo-nos com momentos pontuais de luz e felicidade que destoam do «cinza» - cor mais vezes repetida ao longo destas páginas - que pintou a sua existência.
Foi amado e odiado, fez escolhas que sabia serem um entrave na sua vida pessoal mas que, no seu entender, eram cruciais para proteger a Academia. Foi essa a instituição que sempre defendeu com unhas e dentes e foi à volta dela, e sobretudo da Literatura, que teceu um casulo onde se refugiou. Foi por elas que resistiu, também porque desde cedo percebeu que só no estudo e no ensino podia encontrar e preservar a sua identidade.
Para além da trama, John Williams passou com distinção naquele que é para mim o maior desafio de um escritor: conseguiu criar diálogos bem estruturados. Sempre relevantes, inteligentes, por vezes tensos e desesperantes, uma vez ou outra cómicos. Diálogos que, sendo longos ou surpreendentemente curtos, espelham o carácter das personagens que são o outro ponto forte deste livro. Todas são importantes, complexas e merecedoras de um romance que contasse a sua história.
Ainda que por vezes sejam feitas referências demasiado teóricas ao estudo da Literatura Inglesa - importantes para entendermos o ambiente onde Stoner se move - nada nos impede de afirmar que a linguagem utilizada é descomplicada. Acho sinceramente que não pode haver quem a considere um obstáculo para que a obra chegue a um vasto número de leitores.
Por fim, podemos concluir que o protagonista é, afinal, uma metáfora para o percurso que este livro teve durante os primeiros cinquenta anos de vida: fora uma ou outra pessoa, ninguém lhe deu o merecido valor em tempo útil. Mas o bom dos livros é que podem ser resgatados do mundo dos mortos ou do esquecimento em qualquer altura. Que seja agora. Que justiça lhe seja feita.