
Ricardo Lísias é um autor brasileiro que inexplicavelmente ainda não se encontra publicado em Portugal - Hello? Editoras? Alguém aí? Knock knock! A minha curiosidade aumentava cada vez que alguém falava (sempre bem) sobre
O Céu dos Suicidas ou
Divórcio. A bem da verdade ainda não tinha lido comentários a este título (simpaticamente oferecido pela gentil, sempre adorada,
Denise), mas só esperava coisas boas. Às primeiras páginas quase tive uma epifania. A forma de contar a história é muito original: num fluxo, sem pausas, as descrições e diálogos vão acontecendo dando voz, ora à consciência de uma personagem, ora à consciência de outra, ou até mesmo à experiência de um narrador heterodiegético omnisciente. E quando digo um fluxo, quero dizer que de facto o que está para a frente se liga ao que ficou para trás e que este passado condiciona tudo. Condiciona por exemplo a evolução do nome das personagens que nunca é estanque, embora todos os nomes tenham tendência a pertencer à mesma família (Paulo, Paula, Paulinho, Paul, Paulson, Paul* ou diversos Omar Hasan Ahmad al-Bashir). A juntar a isto temos previsões certas de um futuro que, descobrimos mais tarde, pode não chegar a acontecer.
É um livro fácil de ler, a atenção que requer na identificação das personagens é compensada pelas repetições exaustivas de uma ideia ou de um parágrafo que ficamos a conhecer de cor, como se a história fosse contada várias vezes. Sim, já sabemos que a personagem principal é uma admiradora fervorosa do "ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso", que tem uma dor de costas que "se desloca e cada dia fica em um lugar diferente" e que esta melhoraria (ou melhorará?) com o "uso da Ceragem, uma cama que, com quarenta minutos por dia, alivia a dor nas costas de qualquer um".
Este não é um livro sobre a China. Na realidade é um livro sobre negócios, sobre corporações, sobre lealdade constitucional, sobre ambição e sobre assuntos mais sérios que não adianta agora aflorar. Tudo abordado com um toque de humor saudável e indispensável.
Para mim o melhor é a forma como está escrito, surpreendente a cada passo, embora me parecesse mais sensato que tivesse menos páginas. O pior é mesmo esta sensação de confusão que me assaltou quando virei a última página, a certeza de não ter alcançado o objetivo e a malograda esperança de assistir a um final que pudesse dar sentido a tantas pontas soltas. Se não for pedir muito, alguém que me dê a mão.
Um extensíssimo poema sobre uma mulher nascida no Século das Luzes que dedicou a sua vida à busca da sabedoria e do conhecimento. Sempre muito à frente dos seus, bateu-se por um país que não fosse minado de intrigas e jogos políticos, lutou contra o despotismo que lhe marcou a infância e a juventude, questionou as proibições impostas ao sexo feminino e nunca se deixou vergar pelo que queriam impor-lhe.
Uma mulher culta e inteligente que foi presença notada em todas as cortes que frequentou, que tinha tantos admiradores quantos inimigos, que à imposição de casar e ter filhos respondeu com a necessidade de saber sempre mais. Enfurecia-se com a banalidade da sociedade portuguesa, o que fez com que, contrariando o pai severo, ousasse sair do país. Quis viajar, correr mundo à procura dos Grandes com os quais acabou por privar. Uma mulher com carácter e detentora de uma coragem invulgar que D. Maria, Carlota Joaquina e até Maria Antonieta fizeram questão de ter a seu lado.
Maria Teresa Horta revive a história de Leonor de Almeida, uma filha das Luzes que procurou sempre mais do que encontrou, que deu à poesia o que não soube ou não quis dar aos filhos. Para contá-la, recorre a uma linguagem poética utilizando um vastíssimo vocabulário que se enovela em metáforas e aliterações. Uma fórmula de sucesso, talvez a única capaz de espelhar todo o esplendor do século XVIII, de invadir a imaginação do leitor convidando-o a sentar-se a mesas fartas e a passear pelas ruas de uma Europa que a custo se iluminava.
Compra de fim de semana e passeio pela baixa. Deixa de ser lindo, Porto.
Este livro nasce de um diálogo forçado numa sala de embarque de um aeroporto. Um homem abeira-se de um desconhecido que lê em paz e insiste em contar-lhe a história da sua vida. Depois de se debater inutilmente, Jérôme Angust conclui finalmente que não lhe resta outra hipótese senão ouvir o que aquele louco tem para lhe dizer. Não é ainda aqui que desconfiamos que a própria autora do livro será tão louca como Textor Texel mas não faltarão muitas páginas até isso acontecer.
É num estilo muito direto que Amélie Nothomb desenvolve a história impensável de um tresloucado. Um relato descorado onde raramente conseguia vislumbrar a Amélie Nothomb de
Temor e Tremor. Senti-me orfã e desamparada em frases curtas, de ironia previsível, nas quais se antevia um pouco de génio - entenda-se feitio - mas longe da hilaridade do livro que retratou brilhantemente a sua experiência profissional no Japão.
E a verdade é que chegada à segunda metade de um livro tão pequeno eu já não esperava grande coisa. Engano e problema eu. Fui apanhada completamente desprevenida, vi-me chegar àquele estado descontrolado em que esbugalhamos os olhos, voltamos a página atrás e não somos capazes de acreditar no que estamos a ler. Isto uma vez. Meia dúzia de páginas à frente, volta a acontecer. Perdi de tal forma o chão que acho que ainda não estou recomposta.
Não esperem uma obra literária imperdível mas convençam-se que é uma história de doidos que nos endoidece irremediavelmente. A um preço absurdo de 2,5€ eu diria que vale bem a pena arriscar uma entrada pela porta grande no Júlio de Matos.